segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Eu compro, tu vendes, eles ganham. Eles quem?

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por Christina Fontenelle

em 15 de fevereiro de 2006


Resumo: Será que conseguiremos, algum dia, identificar os beneficiários da política de nosso eterno, crescente, inexplicável e infrutífero (para o povo) endividamento?

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Para os que acharam exagero - outros até graça - nas suposições que fiz no texto "Números, festa e realidade" sobre a possível manipulação, nas operações de compra e venda de títulos da dívida pública do Brasil (interna e externa), para enriquecimento de beneficiários-alvo, bastante definidos, embora ainda incógnitos, é interessante verificar o que vem sendo feito na Venezuela.


Em recente artigo de bem pouco destaque no O Globo, saiu uma matéria, recebida de uma dessas agências de notícias, sobre a "ajuda" que a Venezuela vem dando a países camaradas, com a compra de títulos de suas dívidas. A matéria fala sobre a falta de transparência nas operações do Tesouro, do governo da Venezuela, que estaria beneficiando um grupo específico de bancos daquele país, envolvendo somas estratosféricas de dólares.


O Presidente Hugo Chávez diz que a atuação de seu governo, no jogo de compra e venda dos valiosos papéis das dívidas, é uma forma de ajudar nações latino-americanas amigas, como a Argentina, por exemplo, a se libertar de um sistema financeiro internacional que, segundo ele, é manipulado pelos Estados Unidos. Como bom amigo, é de se presumir que Chávez prefira, então, que os amigos sejam manipulados por ele - é uma questão de filosofia.


A Venezuela vive uma invejável situação para governantes com o perfil de Hugo Chávez: está entre os quatro maiores produtores de petróleo do mundo e acabou com as oposições políticas, numa ditadura disfarçada de democracia. Na base do "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço", Chávez prega o anti-americanismo, mas seu país importa 40% dos produtos que consome dos EUA, que é, também, o seu maior importador de petróleo - responsável pela maior parte dos US$ 24 bilhões anuais do saldo comercial da Venezuela. O petróleo representa 70% das exportações e 40% da receita do país.


Os dividendos do precioso recurso mineral permitiram que a Venezuela se transformasse na maior compradora da dívida argentina, em dólares, desde 2001. O governo de Chávez também comprou US$ 25 milhões, em dívidas, do Equador. Agora a Venezuela estuda a possibilidade de comprar títulos brasileiros e chineses - se já não o tenha feito. Os bancos Morgan Stanley e Deutsche Bank estariam atuando, como conselheiros, nas transações com títulos, segundo a matéria publicada n’O Globo.


Entretanto, os significativos lucros obtidos com as recentes transações com títulos não estão sendo acumulados, pelo menos legalmente, pelo governo Chávez e sim por alguns bancos privados.


Em janeiro deste ano, o Ministro das Finanças venezuelano, Nelson Merentes, anunciou que foram vendidos diretamente - e não num leilão, como é de uso - U$ 600 milhões, em títulos Boden 12, a dois únicos bancos locais: o Banco Occidental de Descuento e o Fondo Común. Os bancos obtiveram lucros, em bolívares, de cerca de US$ 21 milhões, revendendo os títulos no mercado aberto, à taxa de cambio oficial (2,150 bolívares/dólar). O controle da Venezuela sobre o câmbio vigora desde 2003 mas há um próspero (e muito tolerado) mercado paralelo.

Embora os dois bancos tenham lucrado com os rendimentos dos títulos de dívidas de outros países, é claro que as maiores vantagens da operação ficam por conta das operações de revenda, por causa das taxas de câmbio adotadas entre a primeira e a segunda etapas. Aparentemente, não há razões financeiras para privilegiar apenas estes dois bancos com este tipo de operação. Depois da reclamação dos bancos excluídos, o Tesouro venezuelano passou a vender, diretamente, também para eles, parte dos títulos que ainda possui, em lotes de US$ 40 ou US$ 50 milhões a cada duas semanas.


O importante, entretanto, é que, de uma forma ou de outra, as operações de venda e compra de títulos de dívida dos países (internas e externas) podem ser usadas para beneficiar grupos específicos, em governos corruptos, uma vez que o Estado seja o maestro das regras e índices econômicos. Tendo uma visão privilegiadamente antecipada dos rumos da economia e a ingerência sobre o valor de taxas e indexadores econômicos, governantes corruptos podem usar a engrenagem estatal para beneficiar, sim, determinados grupos, exigindo, é claro, em contrapartida, boa parte dos lucros obtidos em forma de depósitos no estrangeiro, em contas que estejam em nome de terceiros - os "laranjas" -, não para os governos, em si, mas para os próprios governantes ou para suas engrenagens partidárias.


Para se ter uma idéia da expansão dos poderes e da influência de Hugo Chávez com a prática de "beneficiamento" de países "amigos", através da injeção de dinheiro pela compra de títulos de suas dívidas, basta acompanhar um pouco do que o presidente venezuelano tem feito pela América Latina.


A "petrodiplomacia" de Chávez busca a integração sul-americana de países que se alinhem com a filosofia (teórica e não prática) anti-americanista, inclusive bancando a venda de petróleo a preços mais baixos para alguns países da América Central e do Caribe. Chávez está usando os petro-dólares para ter influência na política de outros países. O pretenso mega líder é suspeito de financiar Evo Morales, o líder boliviano dos plantadores de coca, cujo movimento partidário-social ajudou a derrubar um presidente, Gonzalo Sánchez de Lozada, em 2003, tendo conduzido o índio à atual presidência da Bolívia.


Em episódio que quase provocou ruptura definitiva nas relações diplomáticas entre Venezuela e Colômbia, Chávez abrigou Rodrigo Granda, o chanceler das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), já internacionalmente procurado como terrorista, inclusive pelo governo da Colômbia, dando-lhe a cidadania venezuelana. Naquele país, não declaradamente, é claro, Chávez mantem relações mais estreitas e amigáveis com os membros das FARC. No Peru, há a suspeita de que o presidente da Venezuela estivesse por trás de um levante contra o presidente Alejandro Toledo.


Enfim, a arrogância "diplomática" de Hugo Chávez é do tamanho da fortuna da Venezuela e do próprio Chávez, advinda do petróleo e, mais recentemente, das negociações com títulos de dívida pública de países vizinhos, cujos governantes o presidente da Venezuela chama de amigos. Estas últimas dão a Chávez e ao governo da Venezuela (uma simbiose muito difícil de separar), além de rendimentos financeiros, poder e mais poder - o sonho de todo populista egocêntrico megalomaníaco.


E no Brasil? Será que conseguiremos, algum dia, identificar os beneficiários da política de nosso eterno, crescente, inexplicável e infrutífero (para o povo) endividamento?

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