segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Quando Davi não sabe usar as pedras que tem contra Golias

por Christina Fontenelle

em 17 de novembro de 2005

Resumo: O Comandante do Exército agiu precipitadamente, atribuindo à Rede Globo um poder que ela não tem, punindo um oficial antes de investigar denúncias de uma emissora que age pública, notória e intermitentemente contra as Forças Armadas.

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Ao veicular, no Fantástico do dia 13/11, matéria sobre trotes aplicados a sargentos recém promovidos, no quartel do 20º Batalhão de Infantaria Blindado, em Curitiba-PR, a intenção da Rede Globo, foi demonstrar poder e reagir à enxurrada de críticas que recebeu, pelos ataques feitos às Forças Armadas, no mesmo programa, em 6/11.

O material não tem identificação de procedência nem de propósitos. Somente estes dois pequenos detalhes já seriam suficientes para que a matéria não fosse ao ar. Mas, como o objetivo estava acima de qualquer intenção de alerta, de esclarecimento ou de clamor por justiça, a reportagem mostrou ao que veio. O recado foi bem claro: a Rede Globo tem poder, vai dizer o que quiser e o que diz é levado a sério, mesmo que não seja verdade.

Em artigo anterior a este, "Reação ao Fantástico Ato Falho", estariam bem respondidas e esclarecidas todas as intenções desta emissora, ao divulgar o material, se não fosse a ação, ocorrida logo depois e, no meu modesto ponto de vista, precipitada, do Comandante do Exército, de afastar o Comandante do 20º BIB de Curitiba. Por dois motivos: 1) atribui à Rede Globo um poder que ela não tem e que, muito menos publicamente, deveria parecer ter e 2) pune, mesmo que não legalmente, um comandante militar, antes das devidas investigações e por causa das denúncias de uma emissora que age pública, notória e intermitentemente no sentido de denegrir a imagem das FA.

Por outro lado, "esfrega na cara" do país inteiro uma atitude de providência imediata, no combate às irregularidades, mesmo que movidas por denúncias ainda não averiguadas. Coisa que não acontece, atualmente, em quase nenhum outro lugar do Brasil, principalmente no ambiente político - em especial, no atual governo.

Já está mesmo na hora das Forças Armadas encararem com mais seriedade o papel da Comunicação Social e das Relações Públicas em seus quadros. Vê-se que, neste terreno, suas noções de tática e estratégia estão bem longe da eficiência que mereceriam ter. Isso é uma crítica construtiva. No mundo de hoje, e acho que já há tempo suficiente, a propaganda e as estratégias de comunicação são a alma de todo negócio ou empresa bem sucedidos – no caso das FA, poderiam até ser decisivos numa guerra.

Se a intenção do Comando do Exército era a de não causar polêmica, colocando um ponto final no assunto, o mais rápido possível, errou redondamente. O tema está circulando pela mídia, com força total, contribuindo, inclusive, para desviar a atenção da população de fatos imensamente mais graves, como o são todos os que tratam da intentona comunista do PT – a mídia, em geral, e o governo costumam chamar este episódio da história recente do Brasil de "crise".

Apareceram muitos indignados, saídos do enorme silêncio em que se encontravam, diante das denúncias de corrupção e da falência dos governos de esquerda no país. Chegou-se a comparar o trote com as torturas e humilhações aplicadas, por soldados americanos, aos prisioneiros iraquianos, na prisão de Abu Ghraib, no Iraque. Isso mesmo, nossos soldados que são mundialmente conhecidos por renderem respeito e tratamento digno a todos os civis e prisioneiros de guerra, onde quer que tenham estado pelo mundo, foram comparados àqueles soldados americanos – que, aliás, também, diga-se de passagem, já foram punidos.

Com todo o respeito, a nota do Comando do Exército deveria ter tomado os rumos da defesa, citando, por exemplo, inúmeros outros casos que aconteceram, infelizmente, no mundo civil, inclusive com finais bem mais trágicos, como conseqüência de trotes. E, naturalmente, deveriam terminar com as devidas referências às providências que seriam tomadas. Estaria mais de acordo com quem teria o dever de defender toda uma instituição e não de fazê-la assumidora de uma "carapuça" que, definitivamente, não lhe caberia.

A Folha de São Paulo (15/11) ouviu os sargentos envolvidos – coisa que deveria ter sido feita pelo Comando do Exército, antes de tomar as decisões que tomou.

O 20º BIB tem cerca de 900 soldados. Fica no bairro Bacacheri, norte de Curitiba. A 2ª Companhia, conhecida como Pantera, conta com 15 sargentos. Segundo a Folha, apenas três não participariam das constantes "brincadeiras", que teriam começado há dois anos, para comemorar o aniversário de um deles, com a participação de antigos sargentos, que já teriam ascendido na carreira. O soldo dessa patente é de R$ 1.254 brutos, o que significa cerca de R$ 800,00 líquidos.

Oito dos doze terceiros-sargentos da 2ª Companhia de Fuzileiros de Curitiba, identificados nos vídeos que foram ao ar, disseram à Folha, que não seriam novatos, que teriam se submetido ao trote voluntariamente e que, em várias "brincadeiras", teriam figurado no papel invertido – fato que caracterizaria uma encenação feita especialmente para a câmera. Na condição de voluntário, um deles exigiu a exclusão da sessão de afogamento e sua vontade teria sido respeitada. Na versão dos oito, o ferro de passar, que foi colocado nas orelhas dos "novatos" estaria frio, tanto que não teria deixado marcas, e os choques elétricos seriam de baixa amperagem.

Na entrevista, o grupo se exalta quando a pergunta é sobre se a inspiração vinha das prisões de Abu Ghraib (Iraque), em que soldados do Exército norte-americano torturavam prisioneiros iraquianos e as sessões eram filmadas. "Aqui ninguém sai ferido nem está preso", teria reagido o militar mais falante, segundo a Folha.

As imagens mostradas pela reportagem da Globo foram feitas pelo próprio grupo, em câmera digital, no dia 25 de agosto, quando se comemorava o Dia do Soldado. Os sargentos dizem ter feito apenas uma cópia, supostamente roubada e cedida à Rede Globo por alguém do quartel. "O que apareceu na reportagem é um mal-entendido. As imagens foram forçadas e distorcidas pela edição", declarou um sargento, que não foi identificado pela reportagem.

A Central Globo de Comunicação negou que tenha "forçado" a edição. Disse que a prática de tortura foi reconhecida pelo próprio Exército em uma nota no final da reportagem, na qual afirma que as imagens são "verídicas" e anuncia a abertura de sindicância para "apurar os fatos e punir os responsáveis". A Globo afirma ainda que dois especialistas atestaram a veracidade das imagens.

Entretanto, o que a emissora não esclarece, acredito que propositadamente, é que a nota em que o Comando Exército confirma a existência de imagens verídicas saiu no dia 11/11, dois dias antes da veiculação do vídeo, no Fantástico. Isso significa que o Comando não estaria se referindo especificamente à fita divulgada. O fato de especialistas terem atestado a veracidade das imagens não elimina uma edição maldosa e não significa, absolutamente, que os peritos sejam confiáveis.

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