segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Números, festa e realidade

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por Christina Fontenelle

em 06 de fevereiro de 2006

Resumo: Se tudo continuar a colaborar com a estratégia petista, apesar de todas as contradições e atitudes consideradas inexplicáveis, o PT provavelmente jamais sairá do poder.

© 2006 MidiaSemMascara.org

Mesmo que a população não entenda nada de economia e menos ainda de estatística, uma coisa já deu para perceber: as sucessivas manchetes jornalísticas, tanto na mídia impressa como na audiovisual, falando sobre números positivos e vitoriosos do governo, sobre crescimento econômico, inflação baixa, auto-suficiência em petróleo e combustíveis, redução do desemprego, balança comercial superavitária, incremento de exportações e tantos outros, não refletem o que se vivencia e nem parecem ter a menor influência positiva no dia da maioria esmagadora dos brasileiros.

Surge, então, no cidadão comum, um complexo de burrice, de incapacidade de analisar o todo e até um sentimento de inferioridade, por não conseguir estar tão bem quanto os jornais dizem que deveria estar. Afinal, os números são fantasticamente positivos e o Ministro Palocci é considerado um gênio insubstituível, cuja política econômica adotada foi capaz até de conservar o Presidente Lula no poder, mesmo depois de tantos escândalos sobre crimes e corrupção, que, no mínimo, o teriam tirado de lá, por incompetência.

Pois é, mas, graças ao bom Deus e a todos os homens que ainda acreditam que ler e estudar valha à pena, estão começando a pipocar uma série de artigos – eu arriscaria dizer até que já sejam centenas deles – desmascarando esse desencontro entre números, tão positiva e maravilhosamente recordistas, e a realidade vivida pela maioria da população. Está mesmo na hora de acabar com essa palhaçada, porque, embora o governo (e grande parte da mídia) ainda não demonstre ter aprendido nada com a escorchante vitória do NÃO, no referendo sobre o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento, acreditar na ignorância do povo tem limites.

E o limite está em reconhecer o ponto a partir do qual a realidade fica tão distante da propaganda ideológica (ou da mentira repetida, como se verdade fosse, para que venha a sê-lo) que as pessoas começam a perceber que estão sendo vítimas de deboche. Só o Governo e a mídia de esquerda ainda não se deram conta de que esse tipo de estratégia não está dando certo aqui no Brasil, embora costume funcionar na maior parte do mundo. Existe, nos brasileiros, uma espécie de aguçado sentido de compreensão da realidade, capaz de fazê-los distinguir, mesmo que involuntária e inconscientemente, aquilo que é bom para si e para o país, nas situações de emergência nacional, que ameacem a paz, a liberdade e a esperança "imortal" de viver num país mais justo, alegre e desenvolvido.

Não é sonho de brasileiro ser comunista nem superpotência – brasileiro quer paz, justiça (a de Deus e a dos homens), um trabalho, uma família, uma casa, um carro e algum dinheiro no bolso. Muitos estarão dizendo, num primeiro impulso racional, que isso seja o que todo mundo quer. Mas, não é bem assim, não. Talvez, considerando os indivíduos, isoladamente, seja esse mesmo o desejo da maior parte das pessoas, em geral. Porém, dentro dos contextos sócio-culturais que formam a identidade dos povos, não é preciso fazer muito esforço para lembrar de nações inteiras cujos sonhos sejam eliminar o império norte-americano, ou o povo judeu, ou os cristãos, ou os palestinos, ou os imigrantes, ou possuir a tecnologia para fazer a bomba atômica, ou se tornar o mais novo império mundial, etc. Entretanto, o sonho brasileiro está muito mais voltado para dentro de seu próprio país, solucionando seus problemas, do que relacionado com a destruição ou o desejo de domínio sobre outras nações.

Voltando aos números, ninguém agüenta mais esse imbróglio de falsificações estatísticas. Por isso, vamos juntos tentar entender o que estes números estão realmente querendo dizer – ou esconder. Na verdade, não vou falar nada de novo, apenas tenho a modesta pretensão de traduzir as coisas que são ditas, para que o cidadão não especializado possa compreender.

Suponhamos que um governo tenha pego emprestado certa quantia. Na hora de pagar, não há dinheiro suficiente. Então, cria papéis, que chama de certificados de compra de dívida – todos com valor igual e que correspondam a uma pequena parte do total. Coloca os certificados à venda, nas seguintes condições: cada um deles poderá ser resgatado, depois de um ano, por um valor superior ao que foi pago no ato da compra de, no mínimo, 4% em relação aos juros de mercado. Se os documentos tiverem a garantia do Estado, quem não fará um investimento desses? Só quem não possa investir a longo prazo ou quem tema que o governo, que tem ingerência sobre as taxas de juros, acabe por abaixá-los, propositadamente.

Porém, os compradores sabem que se fizer isso esse governo jamais terá crédito para fazer outras operações semelhantes no futuro, e, além disso, têm quase certeza de que o país do tal governo não conseguirá sair da posição de devedor, pois sua despesa é muito maior que a receita. Para não correr o risco com as contemporaneidades da economia local, o negócio é realizado em dólar. O investimento é uma mina de ouro que não requer trabalho nenhum para gerar mais dinheiro! A notícia do jeito fácil e seguro de engordar, desproporcionalmente, o bolso dos compradores desse tipo de certificado espalha-se pelo mundo e o país se vê repleto de dólares. Como todos sabem, o excesso de oferta desvaloriza a mercadoria, mesmo quando se trata de dinheiro.

Essa desvalorização do dólar prejudica – ou, no mínimo, desestimula – as exportações, porque os exportadores recebem, em moeda nacional, o valor equivalente aos dólares que obtiveram com a exportação. Ao mesmo tempo, as importações ficam mais viáveis. Para proteger as exportações – cuja superioridade em relação às importações irá garantir resultados positivos (superávit) para a Balança Comercial – o governo acaba tendo que "enxugar" o excesso de dólares disponíveis no mercado. Para isso, usa o mesmo procedimento de venda de títulos de dívida, só que desta vez, interna e artificialmente criada, somente para realizar esta operação. O problema é que, na hora de recomprar os títulos, o processo tem que ser repetido, porque, novamente não há dinheiro nem para restituir os investidores e nem para continuar comprando dólares.

Se o leitor entendeu tudo que foi descrito até agora, está apto a compreender, mesmo que não profundamente, o que seja Dívida Pública, Títulos da Dívida Pública e a descobrir a mágica espetacular que faz o Real estar tão valorizado em relação ao Dólar, além de começar a suspeitar dos motivos que levam o atual governo a continuar com a prática de juros altos. Enquanto a maior parte dos brasileiros trabalha desesperadamente para gerar renda e melhorar de vida, o governo não diminui inteligentemente suas despesas, não faz investimentos suficientes, nem na área sócio-educacional nem em empreendimentos que possam gerar renda. Isso faz com que os frutos de nosso trabalho, tanto na produção de riquezas quanto no pagamento de impostos, sejam usados, quase que totalmente, para pagar dívidas do governo e comprar outras. Felicidade de uns, infelicidade de outros – o povo fica incluído nesses últimos.

Não que não haja outras formas de conduzir a administração econômica, mas é que, no caso específico do governo Lula, há sérias evidências de que os interesses, por trás desta prática, estejam bem longe da lógica que demonstraria um mínimo de preocupação com o desenvolvimento e a recuperação econômica do Brasil. É como se o país estivesse trabalhando com o objetivo premeditado de enriquecer um grupo específico de pessoas (ou entidades, ou instituições, como queiram) – os compradores de títulos da dívida externa e interna. É claro que, para que isso seja viável, outros setores da sociedade, nacional e internacionalmente, devam estar se beneficiando também – como se fosse um álibi, capaz de mascarar a identificação do enriquecimento explícito do grupo específico.

Vamos aos números. A dívida pública bruta, que é o quanto o governo deve ao mercado interno e externo, pulou de R$ 745,8 bilhões, em 2000, para R$ 1,452 trilhão. Isto é um fato. Por isso, é preciso ter cuidado ao dar crédito a informações isoladas de superávit da Balança Comercial ou de pagamento da dívida externa com o FMI, por exemplo. É preciso saber qual é o custo-benefício, para a população, deste superávit ou de onde vieram os recursos para o pagamento desta dívida – foram gerados por trabalho ou fabricados pela emissão de papéis?

Vejamos o caso da última façanha do governo: a antecipação do pagamento da dívida, de U$15,5 bilhões, ao FMI – dívida esta que tinha juros de 4% ao ano e que só venceria em dois anos (aumentaria para U$16,12 bilhões, em 2006, e para U$16,77 bilhões, em 2007, se não houvesse nenhuma amortização). Para fazer isso, o governo federal tomou emprestado, no mercado internacional, emitindo títulos de dívida, cerca de 3,5 bilhões de dólares, a um custo de, aproximadamente, 10% ao ano.

Isso, em tese, significa que o governo dispunha de (U$15,5 – U$3,5) U$12 bilhões. Se deixasse para fazer o pagamento total daqui a dois anos (e supondo que os U$12 bilhões fossem aplicados em títulos de outros países, rendendo cerca de U$780 milhões – 4% aa.), o governo pagaria U$12,78 bilhões e renegociaria cerca de (U$16,77 – U$12,78) U$4 bilhões, com juros de 4% ao ano ou, então, tomaria emprestado esse valor, vendendo títulos da dívida. Como a dívida agora assumida (U$3,5 bi) tem juros de 10% ao ano, na verdade, daqui a dois anos, o governo terá que desembolsar U$4,24 bi – um acréscimo de U$240 milhões (U$4 bi – U$4,24 bi).

Ora, na lógica econômico-financeira, só se adianta pagamento de dívida em duas ocasiões: 1) quando se dispõe de todo o montante para quitá-la, desde que nenhuma aplicação financeira ofereça rendimentos superiores ao custo futuro dessa dívida; ou 2) quando se pode trocá-la por uma outra dívida mais barata. Que lógica há, então, nessa atitude do atual governo? É de se supor que seja a de quem tem interesse em enriquecer os compradores desses títulos, mesmo que, entre eles, estejam pessoas ou grupos que não tenham nada a ver com os beneficiários alvo. Matando dois coelhos com uma só cajadada, inclusive, o discurso de liquidação da dívida com o FMI, para os incautos e ignorantes – no sentido de não sabedores – funciona, também, como troféu de realizações governamentais.

Muitos analistas econômicos têm escrito a respeito das contradições que envolvem a política de manutenção de juros altos e esse pagamento adiantado da dívida com o FMI, dizendo não encontrar uma explicação lógica. Não sei se são técnicos demais, distraídos, medrosos ou mentirosos. Para completar, a venda de títulos da dívida interna para financiar a política de compra de dólares agrava o endividamento interno, a um custo bem superior à inflação. A combinação entre juros altos e queda do dólar garantiu um rendimento de 35% ao ano aos investidores estrangeiros – dentre os quais pode haver, inclusive, "laranjas" de investidores brasileiros (por que não?).

Os números oficiais da contabilidade nacional escondem esse processo de endividamento da União e de beneficiamento de credores. Já se falou que a política de juros altos tem atraído uma verdadeira enxurrada de dólares para o mercado brasileiro - aproximadamente 90 bilhões de dólares, dos quais cerca de 80% estão aplicados em papéis. O excesso dessa moeda faz com que a cotação do real esteja sempre subindo em relação ao dólar, encarecendo as exportações – que, no entanto, em caráter de fenômeno, no Brasil, continuam crescendo a olhos vistos, por causa das condições favoráveis, no mercado externo, e do baixo poder de consumo, no mercado interno. Mesmo assim, o Banco Central (BC) e o Tesouro Nacional, por meio do Banco do Brasil, têm comprado dólares, numa tentativa (frustrada, até aqui – o que não justificaria a insistência neste tipo de procedimento) de provocar uma elevação na cotação da moeda e conseqüente desvalorização do real.

Mesmo tendo em conta que, como qualquer investidor, o BC também faça aplicações em títulos no exterior, sabe-se que recebe uma remuneração pelo investimento que se limita a 4,5% ao ano. Os prejuízos com a política de emissão de títulos e com a manutenção de juros altos chegam a R$ 86 bilhões. Se o governo tivesse simplesmente reduzido os juros, teria contido, naturalmente, a entrada de dólares no país e a cotação subiria, não havendo a necessidade de desperdiçar somas tão altas de dinheiro. Por quê?

Quem souber a verdadeira resposta desta pergunta poderá estar bem perto de revelar pelo menos uma das fontes de abastecimento da engrenagem petista, cujas astronômicas somas de dinheiro fizeram o partido chegar ao poder e ainda o mantém por lá. Se tudo continuar a colaborar com a estratégia petista, apesar de todas as contradições e atitudes consideradas inexplicáveis, pelos mais renomados especialistas, o PT provavelmente jamais sairá do poder.

Há quem acredite que o Brasil perdeu para a corrupção. Talvez estejam certos. Até bem pouco tempo, quem realmente perdesse todas as esperanças na reversão desse quadro tinha ainda a última opção de se mudar, com malas e cuias, para países mais desenvolvidos, que prometessem um futuro melhor. Entretanto, hoje, o mundo está, no mínimo, bastante esquisito. O terrorismo, a xenofobia e os desastres naturais limitaram as opções brasileiras de emigração em nada menos que zero. Por isso, hoje, mais do que nunca, por uma simples questão de sobrevivência, é preciso lutar – cada um na sua área – para fazer deste país o paraíso de nossos sonhos. Há vários caminhos para isso e, um bom começo é desmascarar nosso processo de endividamento.

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