segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Transfigurado pelo coitadismo

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por Christina Fontenelle

em 28 de março de 2006

Resumo: O cidadão que trabalha já faz "caridade" demais por obrigação e recebe muito pouca coisa ou nada em troca.

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Coitadismo? Termo derivado da palavra coitado – significa olhar para o outro ou tratá-lo como um coitado, um incapaz, digno de pena. Filosofia usada para justificar atitudes erradas e/ou criminosas com todo e qualquer tipo de explicação, desde que passe bem longe de tudo que possa ter relação com opção consciente ou simplesmente manifestação da índole de quem comete erro. Ato contínuo, é a filosofia daqueles que se julgam melhores do que outros seres humanos, outorgando-se o direito de sentenciá-los a viver eternamente dos cuidados e da caridade de outros ainda, que são igualmente sentenciados, por essa mesma filosofia, à subserviência provedora.

Mesmo que ainda haja quem acredite na figura romantizada do homem do povo brasileiro, alegre, honesto e trabalhador, a verdade é que a cultura da coitadização criou um monstro de dupla personalidade, que assume uma das duas, conforme a situação em que se encontre: ora é um ardiloso ladrão, cínico, praticando pequenos furtos e delitos, em seu local de trabalho, no convívio social ou nas práticas comerciais, enquanto blasfema pelas costas daqueles que julgam mais afortunados; ora é humilde vítima da miséria, do capitalismo selvagem, quando se vê em situação de ter que dar explicações sobre sua atitude errada ou criminosa.

Aprendeu a simular a atitude que convém a cada momento. Aprendeu a manipular a culpa dos que nasceram em berços mais privilegiados. Quando não lhes podem arrancar os bens e até a vida, essa criatura tripudia sobre a misericórdia dos mais afortunados, como se estes não entendessem nada de manipulações psicológicas, por não terem freqüentado as escolas da rua e da pobreza. Incentivado até mesmo por alguns presidentes da República e pelo que vê na mídia, acredita realmente que a dura realidade do abandono das ruas ou da miséria o tenha melhor preparado para a vida do que àqueles que viveram sob um lar, com direito à educação, atenção e lazer. Não deveria ser o contrário?

A cultura do coitadismo é sem dúvida um dos pilares da criação do cidadão universal, apátrida e politicamente correto. Mas, em tendo como propósito tirar dos homens a consciência sobre sua natureza e afastá-lo do exercício de seu livre arbítrio, o universalismo não pode estar pretendendo outra coisa senão o próprio aniquilamento físico da raça humana – a extinção -, uma vez que, para cada três ou quatro gerações de homens em que funcionem muito bem as engrenagens dessa moldagem planejada, aparece uma variante insurgida das profundezas instintivas da criatura, manifestando sua divindade criativa.

Os mecanismos que foram sendo criados para padronizar comportamentos e fomentar o patrulhamento ideológico e comportamental acabaram por promover uma inversão de valores que, para sobreviver à lógica e aos instintos humanos, precisa ser imposta, primeiro pela propaganda permanente, depois pela subversão e, finalmente, pela criação de leis, atribuindo os mais diversos tipos de penas judiciais a quem não obedecê-las.

Acontece que, quando se pensou chegar à vitória sobre certos condicionamentos humanos, uma vez que se pensava que as leis acabariam por controlar ou reduzir substancialmente algumas práticas, o ser humano subverte o sentido primeiro do condicionamento. Por exemplo, esse processo de subversão vem dando origem a alguns fenômenos de efeito totalmente diferente do que os que se pretendia obter, pelo menos aparentemente, especialmente no que se refere à imposição da benevolência e da permissividade em relação aos chamados injustiçados.

Um destes fenômenos é a ojeriza dos injustiçados, por parte dos indivíduos que não fazem parte deste grupo. Dessa forma, o que talvez pudesse acontecer, em muitos casos, como uma atitude de caridade ou instintivamente ética, para com outro ser humano, acaba se tornando inviável, uma vez que as pessoas já estão cansadas de ser submetidas a leis e obrigações, inclusive tributárias, muito mais justiçadoras do que justas. Isto é, leis que pretendem APENAS e supostamente proteger os tidos como mais fracos dos mais fortes, sem ter o menor compromisso com justiça, uma vez que partem de premissas falsas e de visão deturpadamente preconceituosa em relação aos mais afortunados – o chamado preconceito ao contrário.

Em outras palavras, o cidadão que trabalha já faz "caridade" demais por obrigação e recebe muito pouca coisa ou nada em troca. Isso cansa e revolta. Acaba inibindo o voluntariado e contribui muito mais para a segregação social do que para aquilo que, afinal e aparentemente, pretendia ser o objetivo da imposição legislativa.

Um outro fenômeno é a gradativa deformação do caráter dos menos abastados financeiramente, fazendo-os pensar que podem e devem tirar dos que tenham mais, sob qualquer pretexto, passando por cima de tudo que sabem muito bem ser o correto – adotam conscientemente a idéia de que o que julgam ser um erro (uma injustiça) justificaria outro erro (justiçamento). A intensa coitadização dos menos favorecidos, pela mídia e pelos próprios exemplos dados pelas decisões judiciais, principalmente no que se refere às questões trabalhistas, acabou por fazer o homem do povo acreditar que os erros e os crimes que comete sejam justificáveis e, por isso, menos imputáveis, por causa dos princípios "robinwoodianos" de justiçamento em que se baseiam.

Ainda uma terceira coisa acontece, que está mais para conseqüência dos dois fenômenos acima citados, do que para o título próprio de terceiro fenômeno: como rico de verdade é praticamente inatingível, por causa de seu poder, de todas as suas blindagens (inclusive presente nos carros por onde trafegam pelas ruas), dos ambientes que freqüenta, etc., quem sofre com a ação robinwoodiana dos menos favorecidos é a classe média - que, na realidade, passa a representar o rico inimigo. Não há como fazer um pobre entender que uma pessoa de classe média não seja rica, principalmente porque o ideal de vida dos pobres seja, na verdade, o que ele imagina ser a vida da classe média. Não há como convencer um pobre de que a união com esta classe faria muito mais por todos do que a tal da luta de classes – interesse exclusivo daqueles que pretendem nivelar todos por baixo (os comunistas, socialistas, intelectualóides, como se queira denominar).

A quem interessa, afinal, que pobres e classe média estejam em permanente e crescente animosidade entre si? Pois não sabem os pobres quem lhes poderia dar empregos? Não perceberam eles que o apadrinhamento do Estado jamais lhes tirou da condição da pobreza? Não sabem os pobres de hoje que há apenas uma geração estavam eles ao lado da classe média nos bancos escolares? Não sabem eles que muitas das "conquistas trabalhistas" acabaram, em última instância, por lhes tirar os empregos? Não sabem eles que muitas das conquistas do feminismo, nas questões de satisfação pessoal e de trabalho, por exemplo, acabaram por tirar os empregos dos de seus pais e, conseqüentemente, por tirar suas mães de casa também? Então, na verdade, quem lucrou com todas essas conquistas da modernidade, que diziam estar sendo alcançadas em seu favor e necessidade?

O atual Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, quando candidato à Presidência da República, pelo PPS, em 2002, foi flagrado dizendo que o eleitor era burro. Por esses dias, o Presidente Lula, ao se referir ao caseiro Francenildo dos Santos Costa, que desmente algumas das declarações do Ministro Antônio Palocci nas investigações da CPI dos Bingos, disse que o rapaz não merecia crédito porque era um “simples caseiro”. São esses homens que empunham a bandeira de defensores do povo, dizendo estar lutando em nome de seu ideal. Pensam realmente esses intelectualóides que o "pobre povo" não vê nada disso? A consciência talvez lhe falte, por lavagem cerebral deslavada e covarde, mas não lhe falta instinto e muito menos inteligência.

O povo não é burro não e nem vítima de capitalismo selvagem coisa nenhuma. O povo é covardemente manipulado pela muito bem organizada indústria da desinformação. É, sim, sempre que possível, enganado, para pensar que está se manifestando em causa própria. Está sendo, isso sim, vergonhosamente transformado em soldado da causa socialisto-populista, que precisa de seu voto e quiçá de sua disposição em defendê-la, inclusive pelas armas.

As revoluções comunistas vêm sistematicamente sendo mal sucedidas no Brasil porque sempre passaram muito longe de adesões populares, por causa da herança genética e cultural da gente que povoa essa terra. O coitadismo foi a arma gramsciniana para injetar na veia dessa "gente que não sabe o que é melhor para si" o ódio necessário para a absorção do conceito de luta de classes, sem o qual não se consegue convencer nem uma criança de 5 anos de que o comunismo seja bom.

Ora, se o coitadismo vem fazendo parte da cultura governamental do Brasil, praticamente desde o descobrimento, então não é invencionice comunista, muito menos universalista. E se, como disse antes, essa filosofia de ação acabou por providenciar o aparecimento de comportamentos aparentemente divergentes de seus objetivos (comunização e/ou universalização), então como pôde ter se transformado em prática útil dentro do universo gramsciniano de luta comuno-revolucionária? Teria sido o próprio coitadismo apropriado pelos neo-revolucionários para que resultasse em tais fenômenos ou apenas a descoberta destes teria sido inesperada e agradável surpresa?

Sinceramente o "mot" daria para o desenvolvimento de uma boa tese de doutorado. Mas, para a realidade dos brasileiros, talvez fosse apenas útil começarmos a trabalhar para demolir, cuidadosa e estrategicamente, essa imensa muralha que vem sendo construída para separar os pobres da classe média. Infelizmente, eu não tenho a menor idéia de como isso possa acontecer sem que pobres e classe média possam transitar livremente pelos lugares onde vivam uns e outros e sem que possam estudar nas mesmas escolas. Alguma sugestão?

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